O Blog do Professor Itapuan

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terça-feira, 24 de julho de 2018

ENTREVISTA: SEM PRESERVAR O PASSADO NÃO SE CONSTRÓI O FUTURO

ENTREVISTA: SEM PRESERVAR O PASSADO NÃO SE CONSTRÓI O FUTURO

Luiz Carlos Sousa / 22 de janeiro de 2017
Foto: Rafael Passos
O professor Itapuan Bôtto Targino acredita que o Brasil tem uma dívida consigo mesmo em relação à preservação da memória. Não há investimentos em arquivos ou bibliotecas, que enfrentam problemas de toda sorte, inclusive com infiltrações que destroem acervos. Nessa conversa com o Correio da Paraíba, Itapuan Bôtto Targino revela que apesar de todos os problemas é otimista e acredita que o arquivo digital será a solução, embora acredite que, ainda por muito tempo, o livro será preservado.

- Pode-se afirmar que o Brasil é descuidado com a própria História?

- Digo que sim. E isso me faz lembrar uma entrevista de Celso Furtado, quando assumiu o Ministério da Cultura no Governo Sarney. Nas páginas amarelas da Veja ele disse que nós não nos preocupamos com a História, com nossa memória. E afirmava taxativamente: não temos bibliotecas, não temos museus nem temos arquivos.

- Ele fez até comparações com outros países...

- Citou o caso do México, do Museu Antropológico – um dos maiores do mundo – e que é visitado pelo povo, pelos habitantes do México. E dizia que não cuidamos de nossa História.

- Na Paraíba a situação não é diferente?

- João Pessoa não tem nem museu. Tem um museu sacro. Mas não cuidados dos museus e das nossas bibliotecas.

- Isso é um processo cultural, herança, o que explica esse descuido?

- Houve adiamento, conformação, o povo não tem tradição, não se cuidou nas próprias universidades. Faço parte de um instituto histórico na cidade do Porto, em Portugal. A instituição estava para fechar. E a Universidade Lusófona assumiu, cedeu instalações dentro do campus.

- É outra dimensão de cuidado com a memória?

- Veja o que é uma cultura. Se fosse aqui fechava. Lá a Universidade assumiu o Instituto Histórico e Genealógico da cidade do Porto. É uma universidade privada, mas que tem subsídios dos governos federal, estadual e municipal. E há um programa permanente de atualização, de melhoria, de crescimento e de ampliação desses ambientes.

- Eles ficam pequenos com o tempo...

- O volume do acervo cresce. E até nas suas próprias edificações. São construções antigas cercadas de obras modernas. E lá, em Portugal, há também o museu que foi construído por um empresário, que o mantém. Cobra preços irrisórios, simbólicos para visitação, o que leva muita gente a frequentar. O do México é impressionante porque é quase um ponto de encontro e eles dão muita importância à parte cultural.



- Essa situação não deixa um vazio histórico?

- Há hiatos. De repente, aparece um administrador que se interessa, mas não há continuidade. E a falta de continuidade administrativa é que é um dos males do Brasil. As pessoas dirigem e querem imprimir uma marca pessoal, depois vem um substituto, às vezes, até da mesma linha, não diria nem que quisesse destruir o que foi feito, mas entra por outro caminho, por outra vereda e não há continuidade.  Projetos muitos bons que poderia se transformar em programas permanentes, com repercussões na Educação, na Saúde, habitação e transportes, por exemplo.

- A própria população contribui pouco com a construção de uma memória?

- É algo comum. Mas veja só: o professor Leôncio Câmara, desembargador, vai lançar um livro sobre um tia dele Nazinha, que foi minha avó torta e temos uma ligação muito grande. Pois Nazinha foi a primeira documentarista da região de Araruna, Cacimba de Dentro e Riachão. Ela guardou em um baú todos os documentos como certidão de casamento, de óbito, de nascimento, notícias sobre os parentes. O livro, cujo prefácio é meu, será lançado em fevereiro.

- O pouco que temos, está bem preservado?

- Passei três anos como presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e durante esse tempo, com muita precariedade, com carência de recursos – tentamos fazer milagres. Fizemos o tombamento de vários centros históricos como Alagoa Grande, Rio Tinto, Campina Grande e Sousa. Tombamos também todas as estações ferroviárias da Paraíba, com um decreto só. Agora o simples tombamento não resolve. Às vezes, se tomba, mas ninguém toma conta fica entregue às baratas.

- As estação não foram aproveitadas para nada?

- Na época fizemos uma campanha para transformar as estações em bibliotecas e algumas foram adaptadas como a de Cajazeiras, a de Antenor Navarro. A de Pombal foi ocupada pela Polícia Militar e a de Guarabira também, Pelo menos o prédio é preservado. Mas muitas estão em ruínas.

- O que cada um pode fazer para ajudar na preservação da memória?

- A Educação é fundamental. O cuidado com a educação patrimonial, incluir no ensino fundamental – não precisava ser uma disciplina – mas nos programas instituir palestras, conferências com o objetivo de conquistar o adolescente, porque isso não pode ser jogado assim de qualquer forma, porque há uma cultura e as reformas demoram muito para uma mudança de mentalidade.

- E o livro?

- É uma preocupação, porque há uma luta muito grande contra os livros. A internet está “engolindo tudo”. Há quem diga – o ex-ministro Marco Maciel, que é a Academia Brasileira de Letras fez uma crônica dizendo que o livro não vai acabar, apesar de tudo - citou o exemplo do Teatro que resistiu à Televisão, ao Cinema. Ainda se publica muito e há o contato direto, a possibilidade de se anotar, de reler.

- E algumas vezes há uma relação afetuosa com determinado livro...

- Exatamente. Encontrou-se em determinado livro um poema, uma informação que lhe levou a mudar de paradigmas, então, acho que o livro ainda vai demorar muito tempo. A luta é grande, mas o livro ainda é uma referência.

- O senhor partilha da ideia de que livro será preservado?

- Partilho, porque vejo que a supressão do livro é algo muito violento. Talvez no futuro distante possa prevalecer o modernismo e a digitalização, aliás, não é nem digitalização, a própria confecção seja feita diretamente para consulta no comutador ou no celular.

- Na Europa e nos Estados Unidos as vendas de livros têm reagido e o crescimento pelo livro digital caiu...

- No Brasil é que há uma carência de leitura muito grande, seja digital, seja no próprio livro. Mas é bom que se registre que há um cenário de pessimismo em tudo. Mas a política do livro no Brasil teve um subsídio, que causou uma baixa nos preços por causa de um alei que beneficiou muito o público leitor.



- Qual a expectativa do senhor para a digitalização dos arquivos?

- Minha experiência nesse setor foi no Tribunal de Justiça. Durante a administração do desembargador Abraham Lincoln da Cunha Ramos começamos a digitalizar os arquivos, que sempre crescem e estão sujeitos a incêndios, insetos, tempo. A solução é essa. Há espaço ilimitado para se preservar. Antigamente se fazia com microfilmagem e hoje estamos nas nuvens. Isso é importantíssimo. Os riscos de perda caem a praticamente zero. No Tribunal também fizemos a reativação do museu da Cripta de Epitácio Pessoa.

- O senhor é um homem que dedicou grande parte de sua vida à Educação. Como analisa os números do analfabetismo no Brasil que ainda são deprimentes?

- Aí e que está. A educação, pelos índices que estão sendo divulgados, nos deixa numa situação periclitante, nos últimos lugares entre aqueles 60 países que foram analisados. Somos o 58º no ranking, um dado muito triste.

- O senhor tem alguma explicação?

- As coisas demoram demais. Veja: a reforma do ensino médio está sendo discutida há 25 anos e quando temos uma medida, todo mundo é contra, embora já tenha sido discutido demais.

- E temos o exemplo das escolas técnicas que deu certo...

- Pois é. Não houve regressão, pelo contrário sempre cresceu.

- Talvez o sucesso residisse no fato de que o ensino técnico era equilibrado com uma grande “dose” de humanismo...

- Humanismo mais tecnologia, não humanismo versus tecnologia.

- Porque hoje, ao que parece, tudo será entregue ao computador...

- Exatamente. Quando dirigimos a Escola Técnica compramos piano. Havia o coral, a banda de música, esportes, bons laboratórios. Fazíamos uma economia grande para conseguir implantar projetos. Tudo que fazíamos era com os pés no chão. Nosso ginásio foi construído em um ano.

- O senhor alimenta otimismo em relação a um futuro mais cuidadoso com o passado?

- Sou otimista. Digo como Roberto Cavalcanti em sua série de crônicas no Correio: eu acredito, até mesmo porque é inadiável. Temos que fazer, é necessário investir em cultura, conscientizar. No aniversário de 105 anos de nascimento de José Américo fiz uns comentários sobre as fundações. Três fundações criadas na Paraíba ainda sobrevivem: Espaço Cultura, José Américo  e Ernani Satyro. Todas criadas pelo ex-governador Tarcísio Burity. Essas fundações ainda sobrevivem, com muita dificuldade, porque são mantidas pelo Governo. Celso Furtado disse que a manutenção da cultura talvez não fosse obrigação específica do Estado, que deve criar, incentivar e promover as condições, dar o empurrão.

- Não temos tradição de doações?

- Não temos fundações privadas como em Portugal. Por quê? Porque lá há milionários que doam, que investem em fundações. Uma solução seria despertar os milionários para que deixem algum bem ou recursos. Precisamos criar essa cultura de investimentos de família. Uma coisa que gostaria de ressaltar é que a Paraíba tem incentivado muito a fundação de academias. Há a academia de Engenharia, Administração, Ciências Jurídicas entre outras que poderiam fazer um movimento – incentivado pela Academia Paraibana de Letras – para despertar em cada uma a ideia da preservação e de construção de seus próprios arquivos.

 

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